segunda-feira, 14 de abril de 2014

Artigo: Leis “fantasia”

*Ruben Figueiró

            Corria o ano de 1980. Deputado federal, fui convidado pela Embaixada dos EUA para participar de um simpósio sobre legislação americana no Departamento de Estado, em Washington. Lá fui compondo delegação de parlamentares, professores de Direito e jornalistas. A visita se estenderia por quatro Estados, desta vez para presenciar o início da campanha presidencial americana, via eleições primárias no seio dos partidos, com destaque nos dois maiores: o Democrata e o Republicano. No simpósio, aliás, interessante pelas personalidades que participaram dos debates, chamou-me a atenção a palestra do professor Valucheck, teórico do partido Democrata, sobre o molde da redação que caracterizava as leis federais americanas, diria pelo seu teor substantivo “curta e grossa”.

Permitiu-se o professor fazer uma comparação com as nossas leis, por ele consideradas adjetivas pela adição de parágrafos e alíneas, os quais, mais das vezes, distorcem o instituído no caput, o artigo 1º.  E deu como possível exemplo: “Aqui nos EUA a lei reza, artigo 1º: É proibido fumar, revogadas as disposições em contrário. No Brasil, o caput da lei é idêntico, porém acrescenta o parágrafo 1º: se o cidadão é maior de 18 anos, pode fumar; parágrafo 2º: se o cidadão for menor de 18 anos e tiver autorização do responsável, pode fumar!”

Claro, senti-me ofendido e reagi à esdrúxula comparação. Depois, analisando-a melhor, notei que ela tinha sentido. Infelizmente esse detalhamento, normal em nossas leis, reflete um sentimento cultural de amarrar a intenção da lei a certas salvaguardas, tornando-a inócua, ou talvez, motivo de interpretações que distorcem seu real objetivo.

Por que me alonguei com esta lembrança retirada do baú envelhecido da memória? Porque se discute nesse cenáculo surreal de Brasília sobre a proibição ou não de recursos de empresas para financiamento aos partidos em campanhas eleitorais. Não discuto a intenção. É honesta e vem do seio revoltado da opinião pública, face aos abusos ocorridos. Porém, considero inaplicável, sobretudo no campo movediço de um pleito onde as regras estão culturalmente estamentadas. Nelas, o ilegal e sua antítese, o legal, se confrontam em favor do primeiro. Diria que não adianta dar uma de Cícero, condenando Verres, pois o mau hábito prevalecerá.

Aliás, o Supremo está decidindo por maioria a proibição e o Legislativo já procura uma saída para tornar “tudo como dantes no quartel de Abrantes”.

Outro detalhe. Inicia-se com sintomas revanchistas campanha para quebrar a espinha dorsal da Lei da Anistia. Lembro-me bem de sua origem quando se entendeu que era o momento de o Regime Militar abrir caminhos de forma lenta, gradual e segura para a restauração da democracia. Consequência imediata foi a Lei da Anistia, aprovada pelo Congresso Nacional, e a ela dei meu voto consciente.

Os resultados, nada obstante, percorrer caminhos pedregosos e episódios cívicos, desaguaram na democracia que hoje nos nutre e ampara. Querem mudar a lei com objetivos cuja transparência é solar: desenterrar a discórdia.

Somando a esse disparate, setores da maioria querem tornar fantasia dispositivos que asseguram impostergáveis direitos da minoria que luta para atender a um clamor nacional pela busca da verdade do que acontece em nossa maior empresa, a Petrobras.

Leis, o Brasil tem a mancheias. Muitas de fantasia e outras sérias que querem transformá-la como tal. Na realidade o que não se tem aqui é cultura para cumpri-las. É isso.

*Ruben Figueiró é senador pelo PSDB-MS